quinta-feira, 4 de março de 2010

O labrador da discórdia



O Miguel tinha um cão. Chamava-se Amazonas. A Joana tinha um peixe. Dava pelo nome de Trafaria. Era o seu mais que tudo. Durava já há 10 anos. Mas quem é que chama Trafaria a um animal de estimação? E mais. Quem é que tem um peixe como animal de estimação? Não tem memória. Não pede festas. Não pede comida - a não ser que ponhamos lá o dedo. Não ladra. Não mia. Não nos acorda com lambidelas. Não destrói a casa. Não mija nem caga pelo chão. Esperem aí. Este é o animal de estimação perfeito.
Adiante. Cada vez que ia à rua, o Amazonas ignorava os outros cães. Mesmo os mais pequenos que, mais ariscos, se chegavam a ele com um ladrar esganiçado. Um dia, enquanto passeavam pelo jardim, ao lado de casa, algo invulgar aconteceu. O labrador parou. Fez greve, não queria andar mais. O Miguel não percebia o que se passava e pôs-se a olhar para todo o lado.
Chegou-se mais para a esquerda e escorregou numa casca de banana. O tralho foi tal que toda a gente à sua volta não conseguia parar de rir. O próprio do Amazonas parecia esboçar um sorriso. (Ingrato.) Mas Miguel parecia ter o comando da situação. Agora, ambos imobilizados, olhavam para o fundo da rua. Joana surgia com o seu ar altivo e um aquário debaixo do braço. Miguel, ainda no chão fingia não ver aquela que amara desde que se mudara para o 2º esquerdo da Rua do Bom Nome, na Picheleira. Conheceram-se quando a dona do Trafaria lhe tocara à campainha de casa, há cerca de 9 meses. “- Olá vizinho, tem uma chave de fendas que me empreste? – pediu Joana, com um leve sorriso – É que tenho um armário para montar e a que veio com a caixa não serve… Incompetentes.” Miguel ficou mudo. Joana retorquiu.”Mas está tudo bem?” Era amor à primeira vista. Então Miguel foi buscar a ferramenta, e ofereceu-se para a ajudar com o trabalho.
Apaixonaram-se e meses depois já se tinha mudado para o 2º direito, a casa da Joana. O Amazonas adorava a nova casa. Até estava menos tímido. Mais dado. Dormia sempre encostado à nova dona. Mas, e como há sempre um mas, um dia o labrador estava sozinho em casa, apenas com o Trafaria como companhia. Miguel tinha-se esquecido de lhe deixar ração. Um encontrão no móvel derrubou o aquário. O Trafaria estava ali no chão aos saltinhos. O Amazonas tinha que fazer alguma coisa para o ajudar. Comeu-o. O Miguel e a Joana separaram-se. A Joana comprou outro peixe. E o Miguel chora todas as noites, incessantemente. Porquê? Adorava sushi e agora não consegue ir ao seu restaurante preferido sem derramar um mar de lágrimas.
Moral da história: Verifique sempre se os móveis que compra trazem as ferramentas necessárias à sua montagem.


Patrícia Tadeia

1 comentário: