quarta-feira, 10 de março de 2010

Afluente



exercício das palavras obrigatórias


Dia 4: “parto em direcção ao afluente”, registou no gravador com o entusiasmo explosivo de quem parte à descoberta.
Talvez por inclemência do intenso calor húmido e dos trilhos agrestes, a pouca bagagem parecia-lhe agora excessivamente pesada, mas não podia excluir nada, nem sequer a última banana ou o pedaço de cana-de-açucar. O grupo seguia sob o comando do experiente guia, que marcava o passo amplo e confiante pela mata, sem sinais de mínimo esforço à excepção da pele negra cada vez mais reluzente do suor.
O plano da viagem tinha sido decidido três dias antes, em Ouro Preto.
Impressionado pela arquitectura colonial daquele município, deixou-se seduzir pela languidez da luz que deslizava pelos edifícios, perseguindo-a com a sua ferramenta de trabalho habitual, a sua reflex. Percorreu o terreno íngreme, até que parou na rua da Igreja do Carmo e de uma pequena bolsa retirou a fotografia em tons sépia da Casa da Ópera. Tinha sido tirada há mais de setenta anos pelo seu avô e agora aí estava, renascida, em milhares de pixeis coloridos no ecrã da sua máquina.
É fácil imaginá-lo aqui, na sua juventude – pensou, ao recordar o aroma intenso da colónia do avô, que parecia estar tão presente.
Da última vez que o viu olhou as suas mãos, de caminhos traçados, vividos e respondeu que sim ao seu pedido.
«Preciso que procures uma pessoa no Brasil», pediu o avô. «Tira da terceira gaveta o envelope selado, abre, lê e pensa no que aí está escrito».
Pensava que conhecia o seu avô, todas as suas histórias e percurso de vida, mas existia uma parte importante e inexplorada a desvendar.
Desta vez não partia apenas como repórter de uma história, mas sim da sua história.
Tinha à sua espera ameríndios, Portugueses, negros, índios e garimpeiros de ouro de aluvião. Uma amálgama para purificar num afluente do rio Amazonas.

Marisa Duarte

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