quarta-feira, 10 de março de 2010

bem carnudos



Sou vermelho, mas passo a vida na escuridão.
Tenho um sonho. O meu sonho era andar de lábio em lábio. Daqueles bem carnudos. E nesses lábios vislumbrar esses flashes de luz vindos de uma caixa preta que alguém segura, enquanto vislumbra outros como eu. Dizem que são esses flashes de luzes que nos eternizam e eu queria ser eterno.
Sou quase eterno, mas sou esquecido. Vivo há anos esquecido na bolsa de alguém que esquece de mim e dos seus próprios lábios. Eu quero ser eterno, mas sentir-me útil. Quero publicitar, comunicar, embelezar e para isso preciso de lábios. Bem carnudos.
Sou quase eterno, mas mal amado. Passo dias e dias na escuridão desta bolsa. Tenho por companhia outros objectos quase tão esquecido quanto eu. São os meus melhores amigos. O blush, o rimel, a caneta, o isqueiro. O isqueiro, esse, tem outra sorte. Não só faz luz, como a vê com muita frequência. De cada vez que regressa conta-nos a todos as suas aventuras. Descreve o calor da mão que o segura. O cheiro do cigarro que acence. Por vezes, até, passa de mão em mão e descobre novos cheiros de outras marcas de tabaco. Juntamo-nos todos, agurdando ansiosamento, pelas suas estorias. Que caras viu e historias ouviu. E gostamos. E somos queridos entre nós. Mas eu quero mais, quero vida, quero paixão. E para isso, preciso de lábios. E bem carnudos.
Sou eterno, porque nunca fui usado. Eu quero, como todos os outros, ter princípio meio e fim. Sair deste início que não tem fim. Mas para isso, preciso de lábios. E bem carnudos.

Maria Elisa Baltazar

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